Cinema, Crítica de Filme

Cyclone | Crítica

Um retrato íntimo, forte e delicado de uma mulher enfrentando o mundo em câmera fechada.

Dirigido por Flavia Castro, Cyclone se articula como um drama que entende profundamente a força dos seus personagens e a necessidade de acompanhá-los de perto. Castro opta por uma câmera íntima, quase cúmplice, que não apenas registra gestos, olhares e respirações, mas traduz o peso emocional da trajetória da protagonista. Esse olhar aproximado abre espaço para que cada decisão, erro e passo da narrativa se revele com textura, criando uma relação direta entre espectador e personagem, sem filtros, sem distâncias artificiais.

Nesse cenário emerge Daise, interpretada com intensidade e precisão por Luiza Mariani. A personagem existe dentro de um ambiente que, por si só, exige dela mais do que o dobro: que se prove a cada movimento, que esteja em constante estado de justificativa, que sua força seja sempre acompanhada de uma espécie de vigilância social. Mariani encontra na personagem uma vastidão de camadas e as distribui com uma segurança admirável. Há momentos de explosão emocional em que ela brilha com vigor, mas também instantes de contenção, onde um olhar silencioso diz tudo que o diálogo não diz, e aí reside parte do impacto do filme.

A parceria com Karine Teles potencializa essa construção. Quando as duas estão em cena, existe um jogo de energia que opera quase como uma dança: Teles adiciona nuances, subtextos, pequenas reações que enriquecem a jornada de Daise e, ao mesmo tempo, ampliam as leituras possíveis sobre a relação entre essas duas mulheres. São interpretações que se complementam e criam um eixo dramático sólido, que sustenta o filme mesmo nos momentos mais sutis.

O roteiro, também conduzido com sensibilidade, acerta ao permitir que o retrato do machismo estrutural da época surja não como discurso óbvio, mas como consequência natural da jornada da protagonista. Cyclone não precisa sublinhar seus comentários sociais, eles aparecem organicamente, nas brechas do cotidiano, nas falas interrompidas, nas oportunidades negadas, nas cobranças disfarçadas. Esse cuidado fortalece ainda mais o arco de Daise, que passa a ser não apenas uma personagem central, mas um espelho de um contexto histórico ainda pouco explorado com essa delicadeza.

Na parte técnica, Cyclone se mantém igualmente competente. Os figurinos capturam bem os tons e texturas daquele período, enquanto os cenários trazem um nível de detalhe que reforça a sensação de autenticidade. Já a fotografia, mesmo operando dentro de uma recriação ficcional, escolhe uma paleta e uma iluminação que conversam com o universo narrativo, alinhando estética e dramaturgia. Nada parece supérfluo ou decorativo; tudo está a serviço da narrativa.

No conjunto, Cyclone é um filme que cresce justamente onde muitos dramas perdem força: nas sutilezas. Ele não precisa inflar sua própria importância para ser relevante. Confia nos seus personagens, na força das atrizes e na inteligência de sua direção para entregar uma história que, mesmo situada no passado, conversará com muita gente no presente.

Nota: 4/5

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