Cinema, Crítica de Filme

Apolo | Crítica

Um filme pessoal, íntimo e político sobre formar uma família em um país que ainda não sabe acolher.

Registrar a vida de alguém antes mesmo de seu nascimento é um gesto que carrega afeto, intimidade e posicionamento. Apolo, dirigido por Tainá Müller e Isis Broken, (esta última, mãe de Apolo), transforma esse gesto em cinema ao narrar a jornada de um casal trans que vive, aprende e resiste enquanto aguarda a chegada do filho que dá nome ao filme. Da dor ao aprendizado, da luta ao amor cotidiano, o longa encontra em sua própria sensibilidade a forma de falar do extraordinário dentro da vida comum.


O filme rapidamente estabelece sua força ao mostrar o quanto Apolo é amado, desejado e planejado. Seus pais narram cada instante com cuidado, as consultas, as dúvidas, os contratempos do atendimento médico, o medo de errar, a mudança de estado para garantir um acompanhamento digno. A câmera e a narração constroem um registro que nunca prioriza o drama pelo drama: tudo parte da vivência concreta, dos obstáculos sociais que impactam diretamente a gestação e do país que ainda não sabe acolher corpos dissidentes. Mas mesmo quando expõe violência e desigualdade, o filme evita ficar preso à dor. Ele prefere olhar para frente, para a construção de uma família em plena transformação.


A estrutura é extremamente pessoal e emocional. Há uma narração direcionada diretamente a Apolo, como um recado para que no futuro ele entenda não apenas como nasceu, mas o que seus pais precisaram enfrentar para que ele existisse. O resultado é um longa que mistura cinema e diário íntimo, criando um laço direto entre quem vê e quem vive essa história. As diretoras acertam ao equilibrar o íntimo e o estrutural: ao mesmo tempo em que vemos o casal em suas rotinas e expectativas, entendemos também as camadas sociais que atravessam essa maternidade.


Um dos pontos mais belos do filme é a forma como traz o casal para o centro da narrativa, não como símbolo de uma causa, mas como indivíduos completos. A carreira musical de Isis Broken ganha espaço real na narrativa, surgindo como motivação, expressão e trilha sonora para grande parte das cenas. A música embala a espera, o cansaço, a alegria e o medo. Tudo reforça a presença de sujeitos inteiros, com sonhos e trajetórias próprias, muito antes de serem pais.
O longa também é muito honesto ao retratar o “pais de primeira viagem”.

O filme não se limita à pauta da identidade de gênero, ele mostra choros, inseguranças, descobertas, o bebê acordando de madrugada, o aprendizado constante e universal de quem está encarando o primeiro filho. E justamente aí reside parte da sua potência: ao mesmo tempo em que expõe a violência estrutural do preconceito e das barreiras burocráticas, Apolo faz questão de afirmar que a experiência da maternidade e paternidade deles também é feita das mesmas alegrias e tropeços compartilhados por qualquer família, em qualquer lugar do mundo.


Sem romantizar, mas também sem perder esperança, Apolo é um filme que olha para o futuro com olhar firme. Ele documenta uma história que pode parecer incomum para muitos, mas que se revela profundamente humana e reconhecível. Amor, luta, desgaste, afeto e crescimento. Tudo está ali, com uma força de presença que faz do filme não apenas um registro da formação de uma família trans, mas uma carta de amor para o filho que dá nome ao longa, é um convite para que o público enxergue essas vidas para além de rótulos e projeções.

Nota: 5/5

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