Uma narrativa contemplativa que nos convida a descobrir, junto da protagonista, os caminhos possíveis da sobrevivência.

Dirigido por Clarissa Campolina (que também participa do roteiro) e Sérgio Borges, Suçuarana aposta em planos abertos que não apenas revelam a geografia e a atmosfera do lugar, mas também intensificam os conflitos íntimos da protagonista, vivida por Sinara Teles. Sua jornada é marcada pelo silêncio, pelo mistério que a envolve e pelo modo como o filme decide nos deixar no escuro, obrigando o espectador a descobrir junto dela os caminhos escolhidos, os riscos assumidos e a dor de um passado que nunca é revelado de imediato.
No centro dessa travessia, surge a relação com o cachorro Encrenca (Tony Stark), presença constante que, de maneira delicada, torna-se um ponto de respiro. Se em um primeiro momento a conexão é quase indiferente, aos poucos o afeto cresce, revelando tanto a carência quanto a capacidade de reconstrução da personagem. Essa relação não é apenas um detalhe fofo: é um pilar emocional, um lembrete de que até no isolamento há vínculos possíveis.
O filme se estrutura de maneira contemplativa e lenta, permitindo que a narrativa dite seu próprio ritmo. Essa escolha pode afastar quem espera viradas ou explosões dramáticas, mas serve à proposta de acompanhar uma mulher em reconstrução, que se molda a cada encontro com personagens secundários pelo caminho. A falta de vínculos sólidos, nesse caso, é também um reflexo da identidade em transição, que se fragmenta e se reconfigura conforme o ambiente.

A direção de Campolina e Borges encontra na paisagem um personagem à parte. O espaço não é mero pano de fundo: ele oprime, revela e ao mesmo tempo oferece possibilidade de recomeço. Cada plano aberto carrega a solidão e a vulnerabilidade de uma mulher que precisa habitar o desconhecido e, pouco a pouco, encontrar formas de resistência. A fotografia, nesse sentido, é fundamental para dar corpo a essa sensação de deslocamento, quase como se a protagonista estivesse sempre um passo atrás da realidade que a cerca.
Outro ponto relevante está na forma como o filme lida com o tempo. A cadência lenta pode parecer árdua em alguns instantes, mas é justamente esse ritmo que permite que o espectador entre na mesma frequência da personagem. Não há pressa em entender quem ela é, de onde veio ou para onde vai, e essa suspensão de respostas imediatas se torna um convite à empatia, porque nos coloca no lugar de alguém que também não sabe o que o próximo passo lhe reserva.
A trama principal é menos sobre grandes acontecimentos e mais sobre pequenas descobertas. A relação com o Encrenca, os encontros passageiros pelo caminho, os olhares que se cruzam sem a necessidade de palavras: tudo isso compõe um mosaico de reconstrução, em que a vida se reinventa sem promessas de estabilidade. Talvez falte ousadia para mergulhar em conflitos mais sombrios, mas há uma verdade palpável nesse cotidiano desarmado, que encontra beleza no gesto simples de seguir adiante.
Nota: 4/5
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