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Abandonados | Crítica

Quando a tensão está no barco, e não em chegar à terra firme.

Entre tantos filmes de sobrevivência que apostam no grandioso, Abandonados prefere o caminho do íntimo. John Laing conduz a narrativa para dentro de um espaço reduzido, onde a água não é apenas ameaça, mas cenário constante e sufocante. O barco virado, que serve de prisão para os personagens, é o palco ideal para explorar algo mais psicológico do que físico: o confronto de diferentes trajetórias de vida diante de um mesmo desastre.

O elenco, liderado por Dominic Purcell, Peter Feeney, Greg Johnson e Owen Black, sustenta a tensão com química perceptível. A força do filme não está em grandes gestos heroicos, mas nas pequenas reações, um olhar de desespero, uma palavra atravessada, um silêncio que pesa. Esse conjunto de atores dá densidade a situações que poderiam soar repetitivas, fazendo com que a convivência forçada ganhe nuances e conflitos interessantes.

A escolha de trabalhar com planos próximos e um cenário limitado é ousada e funciona. O confinamento visual cria uma claustrofobia que ecoa o próprio dilema dos personagens: sem possibilidade de fuga, resta apenas encarar os outros e a si mesmo. Essa opção estética também ajuda a transformar o espectador em cúmplice, quase dentro daquele barco, sentindo a mesma pressão do espaço e do tempo que parece nunca avançar.

Narrativamente, o filme cresce ao dar espaço para cada personagem revelar fragmentos de sua vida, habilidades e fragilidades. Não há um herói absoluto, mas indivíduos que tentam sobreviver do jeito que podem, com suas diferenças e contradições. Esse cuidado dá ao longa uma progressão linear de tensão, que foge de soluções óbvias o suficiente para manter a história interessante até perto do final.

É justamente na hora de expandir para fora desse ambiente que o filme perde parte de sua força. Os personagens em terra firme aparecem de maneira apressada, sem tempo de criar empatia ou real peso dramático. O contraste entre o que se passa no barco e essas rápidas inserções acaba soando artificial, quase como um ruído desnecessário. Além disso, a sobrevivência no mar, por vezes, repete alguns elementos, deixando a sensação de que a narrativa gira em círculos em certos momentos.

E então vem o desfecho: uma resolução positiva que, embora coerente com a proposta, chega de maneira tão segura que dilui parte da tensão construída. A ausência de um risco final mais contundente torna o “tudo certo” previsível, e isso incomoda especialmente porque o filme vinha conseguindo se equilibrar bem entre expectativa e surpresa.

No fim das contas, Abandonados é um bom exercício de confinamento e sobrevivência, que tira muito do pouco que tem. A direção segura, a química do elenco e a estética de proximidade fazem o filme valer a experiência, mesmo que o roteiro escolha um final mais confortável do que o necessário.

Nota: 4/5

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