Um clássico censurado que retorna mais urgente do que nunca, e com uma remasterização de encher os olhos pela qualidade.
Lançado em 1976 e censurado durante a Ditadura Militar, Iracema – Uma Transa Amazônica volta agora aos cinemas em uma restauração primorosa que faz jus à força bruta e poética do original. É mais do que um resgate de um filme importante; é um lembrete vivo de como o Brasil soube (e sabe) fazer cinema político, sujo, lírico e necessário.
A nova versão entrega uma remasterização impressionante, que preserva a aspereza da imagem original, mas com nitidez e cor que realçam cada rosto suado, cada estrada empoeirada, cada céu tomado de fumaça. O som, antes irregular, ganha clareza e equilíbrio, sem perder a textura documental. O cuidado na restauração não só valoriza a experiência, como recoloca o filme num espaço de relevância histórica e estética.
A força de Iracema está na câmera colada ao corpo, na proximidade incômoda que nos obriga a olhar para os lugares e pessoas que o Brasil insiste em varrer para longe do plano principal. A jornada entre Iracema (Edna de Cássia) e o caminhoneiro Tião (Paulo César Peréio) é tanto geográfica quanto simbólica: ela atravessa florestas, cidades, fronteiras e ideologias. Ela é jovem, marginalizada, seduzida e descartada. Ele é cínico e blasé, mas aos poucos também é tragado pelo cenário que cruza. Juntos, formam um duo em conflito constante, mas incrivelmente coerente dentro da proposta.

A Amazônia que o filme filma não é um plano de fundo. Em certos momentos, até dominante demais. Há cenas em que o foco se desloca tanto para o cenário que quase esquecemos do fio emocional entre os protagonistas, e isso pode fazer a trama parecer dispersa. O início, especialmente, é marcado por frases soltas, mais performativas do que orgânicas, que enfraquecem o envolvimento. Mas o filme se ajusta, encontra ritmo, e quando chega ao terço final, não há como desviar o olhar.
Mais do que um recorte dos anos 70, Iracema permanece atual pela maneira como aborda temas como a exploração da floresta, a desigualdade social, o turismo sexual e a urbanização predatória, temas de ontem que ainda são de hoje, infelizmente. Edna de Cássia entrega uma atuação crua e potente, enquanto Peréio sustenta seu Tião com um misto de dureza e desconforto. O contraste entre os dois é o que move o filme, e essa tensão nunca desaparece.
No fim, Iracema é uma estrada esburacada onde não há finais felizes, mas muitos alertas. Sua volta restaurada aos cinemas é não só uma conquista técnica, mas uma vitória da memória.
Nota: 3/5
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