Cinema, Crítica de Filme

Cazuza: Boas Novas | Crítica

Memória, música e luta: Cazuza ainda canta. E incomoda.

Crédito: Miriam Prado

Existe uma carga inevitável de emoção em revisitar Cazuza. O documentário Cazuza: Boas Novas, dirigido por Nilo Romero e Roberto Moret, mergulha justamente nesse limiar entre a memória e a presença, e faz isso com sensibilidade, foco e ritmo. Ao invés de tentar contar toda a história de vida do cantor, o filme recorta um período específico: seus últimos anos, já vivendo com HIV, entre discos, palcos e a luta escancarada contra o preconceito.

É um filme que acerta logo de cara na escolha de como contar. A montagem alterna imagens de arquivo poderosas com depoimentos de quem realmente viveu aquilo ao lado dele, e isso faz diferença. Passam pelo documentário nomes como Ney Matogrosso, Frejat, George Israel, Lucinha Araújo (mãe de Cazuza), Ezequiel Neves e Leo Jaime, entre outros amigos e parceiros da estrada. Há um respeito visível, mas também uma franqueza que aproxima: ninguém ali está apenas homenageando, estão compartilhando lembranças que carregam cheiro, dor, barulho e vida.

Musicalmente, o filme também não decepciona. As canções entram com peso narrativo, não só como trilha, mas como testemunho do que ele estava vivendo. E há um cuidado especial em mostrar o artista no trabalho, compondo, gravando, subindo ao palco. Cazuza aparece vulnerável, mas jamais apagado. Ele vive intensamente até o fim, mesmo quando o corpo já não responde como antes.

Crédito: Miriam Prado

Outro ponto forte é o contexto da epidemia de AIDS nos anos 80, retratado com seriedade. O documentário não suaviza a gravidade do momento histórico, nem deixa de mostrar o quanto o Brasil (e o mundo) foi negligente, preconceituoso e violento com os doentes. Ver Cazuza em rede nacional, frágil e lúcido, dizendo que não tem vergonha de estar doente, continua impactante.

O olhar próximo dos diretores permite que o documentário funcione quase como uma despedida feita por ele mesmo. Ao ouvir sua voz ecoar entre entrevistas e bastidores, é como se Cazuza ainda estivesse ditando o próprio roteiro. Há algo de eterno ali, não no mito, mas no humano. A câmera não poupa a decadência física, mas também não tira sua dignidade. Pelo contrário, realça a coragem.

E por mais que seja um filme sobre os últimos dias, Boas Novas nunca soa derrotado. Pelo contrário: é um filme de resistência. De alguém que amava viver, cantar, provocar. Um filme que vibra mesmo na dor. Cazuza ainda é incômodo, ainda é necessário. E aqui, ele é visto de perto.

Nota: 4/5

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